O
mensageiro
Bate em minha porta delicadamente,
respeitosamente
Sem receios ou expectativas
Como bom mensageiro simplesmente cumpre sua missão.
_ Eis tua encomenda! _ grita.
Tive bons pressentimentos, expectativas,
Ia quebrar a rotina.
Mas antes mesmo de abrir as portas já
deleguei tarefas.
_ arrume essa bagunça!
E dei início à seleção de palavras, pois é esse o meu ofício: dar sentido à
voz; só assim, às vezes escapo das garras da melancolia.
Por isso recruto palavras, as ordeno,
as unifico e as espalho tal qual o vento espalha sementes aleatoriamente em um
jardim.
As palavras são rebeldes e eu rude.
Eu as educo, elas me corrigem.
Assim seguimos horas a fio tecendo
sentidos
E de vez em quando brotam flores da
minha ilusão.
Quanto tempo elas duram?
Uma eternidade, um segundo...
O tempo de um amor.
O tempo de um amor perfeito, um
verdadeiro amor... Eis o que procuro: amor!
E no amor o sentido da palavra amor.
Humanizadas, as palavras, finda a
rispidez.
Ainda ontem, cedinho, dois
monossílabos coloriram a primavera; ainda assim houve sensaboria pela manhã.
É que a vida exige boa harmonia, e se
as cores não combinam a vida fica sem graça.
Mas surgiu luz. E o dia então se
molda e se identifica pelo seu brilho cujos dedos longos tocam a natureza das
existências. E naquela hora a natureza se regozijou e eu senti meu rosto como
se beijado por um raio de sol.
A flor Salce surgira ainda pela
manhã, logo após insípido café.
_ Prazer, Salce.
E quem diria que aquela manhã tornar-se-ia na primeira manhã de uma nova
estação.
Escapou-me o primeiro nome.
Mas sentido, entretanto, não estava na palavra diferente, até então
desconhecida, que traz em si humor inocente e frio. O sentido estava no brilho
e nas ondas que coloria o instante. Nascera ali o dia e um novo tempo.
Eu tinha as encomendas e o
mensageiro.
Além do mais eu tinha afazeres.
Eu que existia para colher poemas
alheios passei então a cultivá-los.
Mas como são rebeldes as palavras! E como era rude meu coração!...
E o mensageiro entregou-me, além das
encomendas para o meu ofício, recomendações:
Antes de tudo sejas prudente, tendes
paciência, e separe do que receberes a emoção e a razão.
Eu, logo eu que apenas apanho
palavras alheias!?
Justo eu que nunca preparei canteiros
Nunca cerquei o jardim nem conheço os
limites do meu quintal, agora ter de regar flor tão rara e desconhecida!...
Tenho experiência em
ser rude.
As desilusões me
ensinaram coisas.
Do amor perfeito o
que fica são lembranças, o mais é efêmero; é como a beleza inesquecível de uma
flor que dura apenas um dia.
Mas o mensageiro do
tempo, o dia, trouxera-me a nova flor: A Flor Salce.
Tênue rubor nas
faces
Aveludada flor
Reluzente e gris,
Fruto de todas as
estações.
O que dizer?! É meu
maior encanto.
É meu amor.
É minha paixão...
Desde então eu só
quero contemplá-la!
Agora tenho que
zelar, cultivar sonhos e colher palavras...
Eu só queria
contemplá-la,
Tocar em tuas mãos
macias,
No cabelo caído
sobre os ombros,
Contemplar teus
olhos pacificadores e navegar...
Navegar ao som de
invisíveis violinos, voz que só eu ouço.
Flutuar como espécie
minúscula, de plumas leves, sobre mar tranquilo, sentindo o teu perfume e
ouvindo tua voz,
Porque em ti, Luciane
Salce, encontrei o sentido da palavra amor.